Itália confirma liderança mundial em doação e transplante de órgãos
Publicado em 05/11/2025 09:50
Saúde

Por Renata Bueno, ex-parlamentar italiana e advogada internacional

Em um mundo onde a solidariedade humana se traduz em vidas salvas, a Itália mais uma vez se destaca como referência global em doação e transplante de órgãos. Não se trata apenas de um orgulho nacional – é uma realidade comprovada por dados concretos, que posicionam nosso país entre os principais do planeta nessa área vital. Vejo nessa conquista não só o fruto de avanços tecnológicos e organizacionais, mas também de uma cultura de generosidade que inspira o mundo. Neste artigo, exploramos os números impressionantes do Boletim de Transplantes do Conselho da Europa e do Relatório Anual do Centro Nacional de Transplantes (CNT), com recordes absolutos e um marco histórico que reforça a excelência italiana.

Um ano recorde

O último ano foi, sem dúvida, o melhor da história para a rede italiana de transplantes. De acordo com o Relatório Anual do CNT, foram realizados 4.692 transplantes de órgãos, um aumento de 5,1% em relação ao período anterior – o maior volume já registrado no país. Esse número reflete não apenas eficiência logística, mas também um incremento de 2.110 doadores de órgãos, alta de 2,7% no mesmo período. 

Entre os destaques, observa-se um crescimento significativo em procedimentos mais complexos, como a doação em assistolia (não cardíaca), que saltou 34,6% e alcançou 284 casos, representando 16,4% do total de doações – o maior aumento na Europa, atrás apenas da Espanha. Essa modalidade, que envolve a captação de órgãos após a morte circulatória, era considerada pioneira há poucos anos; hoje, graças à regulamentação italiana que exige um período de observação de 20 minutos para declaração de óbito, os resultados clínicos são equiparáveis aos de doadores em morte encefálica, garantindo maior proteção ética e segurança.

Os transplantes por tipo de órgão também impressionam: rins lideram com 2.393 procedimentos, seguidos por fígados e corações. Regiões como Toscana, Emília-Romanha e Veneto se destacam, demonstrando uma rede capilar e equânime.

Esses dados, corroborados pelo Boletim de Transplantes do Conselho da Europa (Newsletter Transplant), posicionam a Itália como um modelo de excelência, com taxas de doação e transplante acima da média europeia e global. No entanto, apesar dos recordes, é necessário mais doadores: o número de pacientes na lista de espera na Itália permanece elevado, com 8.024 pessoas ao final do último ano. Os tempos médios de espera variam de 3 anos para um transplante de rim, 1 ano e 7 meses para um fígado, 3 anos e 4 meses para um coração e 2 anos e 5 meses para um pulmão. Para pacientes em situações de emergência nacional, porém, os tempos de espera são drasticamente reduzidos: 2 dias para um fígado, 5 a 6 dias para um rim e pulmão e 10 a 11 dias para um coração. 

Sabemos que as perdas são doloridas, mas a família saber que seu ente querido pode fazer a diferença na vida de alguém é fundamental hoje no mundo que vivemos. Cada doação pode salvar até 8 vidas e melhorar a qualidade de vida de dezenas de outras pessoas – um legado de esperança em meio à dor.

Segundo lugar na Europa

No panorama europeu, a Itália não só participa, mas sobe ao pódio em segundo lugar. Com 29,5 doadores utilizados por milhão de habitantes (pmp), o país ocupa a vice-liderança entre os grandes países europeus, atrás apenas da Espanha (líder mundial com 48,9 pmp). Essa taxa supera França, Alemanha e Reino Unido, consolidando a Itália como uma potência em transplantes.

O sucesso deve-se à Rede Nacional de Transplantes (RNT), coordenada pelo CNT desde 1999, que integra níveis local, regional e nacional para otimizar a captação e distribuição de órgãos. Iniciativas como a formação de coordenadores hospitalares e campanhas de conscientização, aliadas a leis que facilitam a doação (como o consentimento presumido com possibilidade de oposição), transformaram a doação em um ato de orgulho cultural. A doação de tecidos também bateu recorde, com 15.487 prelievi e 25.872 transplantes impulsionados por corneas e peles.

Bari, feito histórico

O ano em curso trouxe um marco histórico que eleva a Itália a um patamar inédito na Europa. O Policlinico di Bari tornou-se o primeiro centro europeu em número de transplantes cardíacos, realizando 94 intervenções até 31 de outubro – superando o Hospital Pitié-Salpêtrière em Paris (65 transplantes), os centros de Bad Oeynhausen e Düsseldorf (Alemanha) e Valencia (Espanha). 

Sob a liderança do professor Tomaso Bottio, a equipe de cardiochirurgia do Bari não só manteve o primado italiano, mas expandiu sua influência: 21% dos pacientes vêm de outras regiões, como Campânia, Basilicata e Sicília, evidenciando a mobilidade ativa da rede. Esse sucesso reflete investimentos em capital humano e inovação, como a integração de doações em assistolia para corações, e demonstra que o Sul da Itália pode competir – e vencer – nos mais altos níveis internacionais.

O presidente da Puglia, Michele Emiliano, celebrou o feito como prova da "maturidade de um sistema e de profissionais dedicados", enquanto o diretor do CNT, Giuseppe Feltrin, enfatiza: "Esses números confirmam a força do sistema italiano".

Um chamado à ação global

A liderança italiana em doação e transplante de órgãos – de 30,2 pmp totais a inovações como as do Bari – não é acidental. É o resultado de políticas públicas robustas, colaboração inter-regional e, acima de tudo, a generosidade de famílias doadoras que, em momento de dor, escolhem dar vida. Defendo que esses avanços sirvam de modelo para outros países, especialmente em um cenário de listas de espera que ainda desafiam sistemas de saúde globais.

Para os italianos, é um lembrete: declare sua vontade de doar no portal do Ministero della Salute. Cada gesto pode ser o próximo recorde. A Itália não para de inovar – e o mundo agradece.

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