O Acordo de Parceria União Europeia–Mercosul, negociado há mais de duas décadas, volta ao centro das atenções e se aproxima de seu desfecho histórico. Em um cenário global marcado por disputas comerciais, transição energética e reconfiguração de alianças, o tratado é visto como a maior iniciativa de integração birregional já construída entre Europa e América Latina
Com olhar privilegiado sobre as relações entre os dois blocos, a ex-parlamentar italiana e advogada Renata Bueno analisa os avanços, desafios e impactos previstos para brasileiros, italianos e cidadãos de ambos os continentes. Segundo ela, o pacto não é apenas econômico: “É uma oportunidade concreta de aproximar tradições, culturas e estratégias entre dois mundos que sempre caminharam lado a lado.”
Um acordo que pode unir 780 milhões de pessoas
Negociado desde 1999, o Acordo UE–Mercosul pretende eliminar tarifas, modernizar normas comerciais e fortalecer compromissos ambientais e sociais. A dimensão é inédita: juntos, os blocos representam um mercado superior a 780 milhões de consumidores e um PIB combinado estimado em € 20 trilhões.
A proposta prevê a redução de tarifas em 91% das exportações do Mercosul para o mercado europeu e 92% no movimento contrário, além de cotas específicas para produtos sensíveis como carne bovina e etanol. Segundo estimativas, o Brasil pode incrementar até 0,8% de seu PIB em exportações com o acordo.
Após impasses, negociações aceleram
O tratado já esteve próximo da conclusão outras vezes — como em 2019, quando houve um “acordo político” —, mas foi travado por preocupações ambientais e resistências de países europeus, especialmente no setor agropecuário.
O cenário mudou entre 2024 e 2025. Em dezembro do ano passado, Mercosul e União Europeia anunciaram a conclusão do texto final, incluindo salvaguardas para produtores rurais europeus. Em novembro deste ano, durante a COP-30 em Belém, o presidente Lula e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, reforçaram o otimismo quanto à assinatura do acordo na Cúpula do Mercosul, prevista para 20 de dezembro no Rio de Janeiro.
Ainda assim, o processo de ratificação promete ser o verdadeiro teste: no Mercosul, dependerá dos parlamentos nacionais. Na UE, exigirá maioria qualificada dos 27 países-membros. A expectativa é que a parte comercial possa entrar parcialmente em vigor já em 2026.
Geopolítica pressiona pelo avanço
A conjuntura internacional também empurra o acordo para o topo das prioridades. Com a reeleição de Donald Trump nos Estados Unidos e o temor de novas políticas protecionistas, a UE busca diversificar fornecedores e fortalecer suas cadeias produtivas.
Países como Alemanha e Espanha veem o Mercosul como estratégico para minerais essenciais à transição verde, como lítio e terras raras. Para a América do Sul, o pacto se apresenta como ferramenta de estabilidade regional e de modernização econômica.
Resistências, no entanto, continuam — especialmente da França, que mantém preocupações sobre impactos no setor agropecuário europeu.
O que prevê o texto final
O acordo é amplo e cobre áreas como:
* Comércio de bens
Redução tarifária ampla, cotas para produtos agrícolas e maior competitividade para setores industriais.
* Serviços e investimentos
Mais segurança jurídica e abertura para telecomunicações, energia renovável, obras de infraestrutura e turismo.
* Desenvolvimento sustentável
Compromissos reforçados com o Acordo de Paris, monitoramento ambiental, rastreabilidade e inclusão de comunidades tradicionais.
* Direitos humanos e igualdade de gênero
Cláusulas inovadoras para ampliação da participação feminina no comércio e proteção social.
* Cooperação política
Diálogo permanente sobre democracia, multilateralismo e implementação do acordo.
Impactos diretos para brasileiros e europeus
A implementação deverá aumentar a circulação de produtos europeus no Brasil e ampliar exportações latino-americanas para a Europa — especialmente carnes, etanol verde, produtos agroindustriais e tecnologia embarcada.
Para a Itália, o acordo abre mercados para setores tradicionais como moda, design, maquinário e enogastronomia. Para o Brasil, significa modernização, empregos e novas oportunidades para pequenas e médias empresas.
“É mais que comércio: é união e futuro”
Ítalo-brasileira residente na Itália há mais de vinte anos, Renata Bueno avalia que o acordo inaugura uma nova era diplomática. “Este pacto não é apenas economia. É um convite à unidade entre continentes que compartilham história, cultura e valores democráticos. É também uma chance de fortalecer a cidadania italiana como ponte estratégica entre Brasil e Europa.”
Ela destaca ainda que o tratado deve facilitar avanços futuros com blocos como a EFTA e abrir portas para negociações com países da Ásia e da África. “Defendo que a implementação seja transparente e equitativa, para que seus benefícios cheguem a todos: das campinas paraguaias às vinhas toscanas.”